Lendo Elena eu esqueço dos meus problemas
Oi, gente! Sei que dei um sumiço por aqui. Em abril não tive tempo nem energia pra enviar minha Marolinhas, mas estou de volta :)
Nessa newsletter eu vou falar sobre os seguintes assuntos:
// Ilustração Sankofa - que narrativa usamos para contar nossa história?
// Feira Bancada no Rio de Janeiro
// Livros que fazem a vida valer a pena
// Uma animação lisérgica e feminista no catálogo da Netflix
// Ilustração Sankofa - que narrativa usamos para contar nossa história?
Fui convidada para participar de um calendário que será impresso em risografia pelo Herr & Frau Rio, um estúdio de impressão localizado em Munique, Alemanha. Fiquei muito feliz com o convite, e também impressionada com o alcance que as redes nos proporcionam. Cada artista participante deve ilustrar um ornamento que represente a cultura e história de sua região.
Eu moro no Rio de Janeiro. E aqui, quando falamos em grafismos que traduzam visualmente a cidade, geralmente nos lembramos do calçadão das praias, feito em pedras portuguesas. Lembrar somente destes signos é esquecer que o Rio (e o Brasil) foi construído a partir da colonização dos povos indígenas que haviam aqui (praticamente exterminados), e também com uso de mão de obra escrava, em sua maioria, negra.
Decidi que queria representar um elemento de alguma dessas culturas não-brancas. Além disso, eu queria usar algo na ilustração que estivesse presente em TODAS as regiões da minha cidade, e não só na orla. Afinal, Rio de Janeiro não é só praia e Zona Sul. Restringir sua representação iconográfica aos símbolos das regiões mais privilegiadas é, de certa forma, uma segunda forma de colonização.
Foi aí que me lembrei da história que havia lido sobre o símbolo Sankofa: essa espécie de coração estilizado, com pontas em espiral.
Se você mora na região metropolitana do Rio (e acredito que em outras cidades também), provavelmente já viu esse ornamento em alguma grade de metal por aí. Este coração é a versão simplificada do pássaro Sankofa (pousado no ombro da mulher), símbolo da cultura do povo Akan (proveniente da atual Gana).
Sankofa quer dizer algo como "Não é tabu voltar para trás e recuperar o que você perdeu". No símbolo, o pássaro olha para trás, enquanto agarra um ovo com o bico. Ou seja, devemos observar o passado para podermos transformar o presente.
Dizem que o desenho Sankofa foi incluído pela mão de obra negra escravizada na confecção das grades e portões de ferro aqui no Brasil no período colonial, como forma de resistência e resgate de suas raízes. O fato é que o desenho se popularizou, e continua sendo reproduzido nas grades de metal fabricadas até hoje (o portão do prédio onde moro tem Sankofas!). Depois que publiquei essa ilustração nas minhas redes sociais, me falaram que há grades de metal com o símbolo Sankofa também nos Estados Unidos, especialmente na cidade de Nova York.
// Feira Bancada no Rio de Janeiro
Depois de um tempo sem fazer feira aqui no Rio de Janeiro, estou voltando a participar dos eventos de arte independente da cidade! Dia 25/05 estarei na Feira Bancada, a primeira feira de publicações e arte independente da Banca do André, na Cinelândia.
Este tipo de evento é ótimo tanto para economizar nas compras evitando custo com envio/correios, como também uma oportunidade para conversas, trocas e, quem sabe, conhecer novos artistas. Nesta edição serão cerca de 30 participantes de diversas técnicas e expressões.
Vou aproveitar a oportunidade e lançar durante a feira 3 modelos novos de pin:
o Curativo e as Figas (nas cores Branca e Preta).
A Feira Bancada será no dia 25 de maio (sábado), das 10h às 17h30.
A Banca do André fica na Rua Pedro Lessa, ao lado da Biblioteca Nacional
e do Centro Cultural da Justiça Federal (Metrô Estação Cinelândia - Saída C).
// Livros que fazem a vida valer a pena
Nesse ano de boçalidades e desesperos, estou emendando um livro atrás do outro, num misto de angústia e paixão. Amo ler, mas de fato estou usando a leitura como uma fuga dos horrores e desmontes que estamos vivendo. Essa foi uma estratégia que encontrei pra tentar preservar minha saúde mental.
De janeiro pra cá, pude ler toda a série napolitana da grande Elena Ferrante. Fico feliz só de saber que sou sua contemporânea. Lerei tudo o que puder desta mulher. Li as poesias completas de Florbela Espanca. Não gostei de Florbela, muito neurastênica pra mim. Li tardiamente meu primeiro livro da Conceição Evaristo e fiquei profundamente tocada: Olhos d'água. Uma pessoa que já passou pela tristeza da fome alcança nuances que nossa vida confortável nem imagina. Li a ficção científica do Planeta dos Macacos e, entre os machismos e racismos escritos por um autor homem-branco-francês, é preciso ter paciência pra atravessar essa massa espessa e grudenta e chegar no cerne do livro, que é ousado e certeiro em nos colocar (nós, a humanidade) como animais. Somos mesmo umas bestas.
Pois bem. Emendei o livro dos macacos num argentino que há tempos estava na minha lista, o Jogo da Amarelinha de Julio Cortázar. Comecei com dificuldade, odiei sinceramente o livro até mais ou menos a página 90. Muito pedante, pensei várias vezes em desistir. Mas por pura teimosia cheguei no capítulo 28, no qual o personagem principal, um homem egoísta sem escrúpulos, protagoniza uma cena de horror junto de seus amigos. Eles encarnam a bestialidade oposta ao dos humanos-bichos no Planeta dos Macacos, que são destituídos da linguagem. É a falta completa de humanidade, empatia, compaixão, em pessoas que se exprimem através de uma intelectualidade fria e cínica. O pedantismo do início do livro era proposital, então. A raiva que eu sentia daquelas pessoas flanando e cuspindo teorias em Paris, também.
Cortázar começa a desenrolar uma série de cenas absurdas, ao mesmo tempo que intercala a história com questionamentos sobre o ato de escrever em si. É um livro de metalinguagem, é uma enciclopédia de referências, é um grande absurdo lindamente escrito. É uma viagem que se desenvolve em cerca de 500 páginas que, como se tudo isso não bastasse, ainda apresenta ao leitor duas ordens possíveis de leitura. Eu optei por ler o Jogo da Amarelinha conforme o jogo proposto pelo autor, costurando e pulando a ordem dos capítulos. Terminei o livro neste final de semana, e sou grata pela minha teimosia de não ter largado a leitura lá na página 90. Que livro, gente!
(Aliás: eu uso um site que adoro chamado Good Reads pra organizar minhas leituras. Dá pra fazer listas de livros que quero ler, cotar os livros que li,
e ver o que meus amigos estão lendo. Recomendo!)
// Uma animação lisérgica e feminista no catálogo da Netflix
Não é só nas leituras que eu busco refúgio do obscurantismo da vida real. Recentemente, descobri no catálogo da Netflix uma animação muito louca chamada Tuca & Bertie, duas mulheres-pássaro amigas que enfrentam as questões da vida adulta num mundo deliciosamente colorido e non-sense.
Apesar das loucuras que habitam o universo do desenho, as situações vividas pelas personagens trazem muito das experiências de mulheres reais: o mercado de trabalho, as responsabilidades, a vida afetiva, etc. As questões de gênero também permeiam os capítulos, que trazem um pouco de esperança e liberdade pra gente.
Eu estou completamente apaixonada por esse desenho 🖤 E tem na Netflix!
Fiquem bem!
bjo bjo,
lari.