Oi, gente! Já tem alguns meses que eu enviei a última newsletter sobre o processo de criação do meu Tarot. O final de 2024 foi intenso, mas cá estamos de volta! Eu avisei que esse Tarot ia demorar, né?
Neste texto, falarei de duas cartas: o Dois de Espadas e o Dois de Copas. Ambas falam da noção de alteridade. Este é o momento em que nos deparamos com a existência do OUTRO. E quem é este Outro? Como ele é percebido por nós? Acolhemos ou rechaçamos sua existência?
Uma breve e importante explicação: no Tarot, existem duas correntes distintas de interpretação dos Arcanos, a Escola Inglesa e a Escola Francesa. Algumas cartas diferem consideravelmente na interpretação de acordo com a Escola seguida — e o Dois de Espadas analisado aqui é uma delas. No meu Tarot eu seguirei com a Escola Inglesa, que é a linha com a qual tenho mais afinidade de leitura.
Dito isto, vou começar pelas semelhanças entre os dois Arcanos.
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Não somos mais os únicos caminhantes da jornada
Na última newsletter, falamos sobre como o número 2 rompe com a totalidade unificada do Ás e nos coloca diante de um outro. Nos Dois de Paus e no Dois de Ouros, já detalhados anteriormente, nos deparamos com pequenas adversidades do caminho passíveis de serem resolvidas.
Agora somos confrontados com O Outro, digamos, personificado: eis alguém diante de mim — literal ou simbolicamente. Esse alguém, assim como eu, possui ideias e sentimentos próprios. Através de sua existência, percebo que minha vivência não é a única posta em jogo. Isso vai dar bom ou vai dar ruim? Estou disposta a receber o diferente? A resposta é radicalmente distinta no Dois de Espadas e no Dois de Copas.
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O Dois de Espadas
Qual é o preço da paz que você está disposto a pagar? Não se trata mais de uma única ideia, forte e inabalável por ser uma espada absoluta, sem concorrentes, erguida no ar; agora são duas armas, dois vieses, duas posições contrárias e irreconciliáveis. Ambos têm seus argumentos e estão armados até os dentes de suas certezas. Alguém dá o braço a torcer nessa parada? Ninguém. Mas também não há luta declarada: as mãos até podem ser dadas num cumprimento de cavalheiros, mas os olhares e as armaduras seguem fixos e obstinados.
A falta de consenso é fruto da intransigência. Ideias rígidas, que não concebem meios-termos: ou é isto, ou é aquilo; e NADA se apresenta como possibilidade no meio. O que existe aqui é uma OPOSIÇÃO entre apegos exagerados a conceitos conflitantes. Cada oponente se agarra a suas próprias crenças e acredita ser O DONO DA VERDADE. O que temos é a manutenção de posições, mesmo a duras penas. É desconfortável, mas ninguém arreda um passo; ninguém chega a lugar algum.
Não há conversa sem escuta, e o Dois de Espadas não escuta ninguém. Também não inicia a guerra. Tudo se encontra num estado incômodo de SUSPENSÃO. Pisamos em ovos, ou melhor, andamos nas pontas dos pés em campo minado. É terrível, mas sustentamos o impasse. Por que nos sujeitamos a isso? Qual o risco de se posicionar abertamente? Aqui, discordar parece uma declaração de guerra. E existe o medo de sair ferido.
Trégua: paz temporária que se sustenta no fio da navalha, que se toca com o dedo ainda sem se cortar... Até quando?
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O Dois de Copas
Enfim, a suavidade de um encontro sincero. No dois de copas, podemos descansar num abraço fraterno: ficamos à vontade, damos risadas e nos sentimos acolhidos. Aqui é seguro desabafar. Encontramos o conforto quentinho de poder contar com bons amigos, bons ouvintes e bons amantes. E, no dois de Copas, há a boa vontade em ajudar. Lembre-se que a troca é baseada na RECIPROCIDADE: amar e ser amado, ouvir e ser ouvido, ajudar e ser ajudado — sejam as partes amantes ou apenas amigos.
O Dois de Copas também adora uma prosa, uma conversa fiada, tricotando assuntos atrás de assuntos, sem hora pra acabar. Passeios, dates, talvez uma cervejinha? Esta carta gosta de se relacionar, de ir até o outro, de socializar. E faz de forma leve, agradável. O outro está disponível. E você, também está?
Os encontros, as parcerias, as sociedades benéficas: o vínculo formado num Dois de Copas é positivo para ambas as partes. O diálogo é possível através da abertura sincera dos dois: eu cedo um pouco aqui, você cede um pouco acolá. Existe compatibilidade e harmonia. Perfeito para estabelecer acordos ou para conseguir uma reconciliação.
As duas taças estão plenas de vinho; olhos nos olhos com afeto. Parece delícia, e é! Um brinde à nossa parceria.
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A Diferença Fundamental
Acho didático compararmos estas duas cartas, lado a lado, para entendermos como elas se opõem radicalmente. A existência do OUTRO não é um problema a priori; a questão é se estamos abertos, disponíveis, confortáveis para a troca. Podemos também estar cheios de disposição, mas se nosso interlocutor não está a fim de papo, já temos um belo Dois de Espadas estendido sobre a mesa. Se um não quer, dois não conversam. Simples assim.
Enquanto o Dois de Espadas sente desconforto com o que é posto pelo Outro, o Dois de Copas se nutre dele; No Dois de Espadas, a alteridade é uma ameaça. No Dois de Copas, é celebrada em comunhão.
O Naipe de Espadas fala de certezas absolutas que, levadas ao extremo, geram fanatismo. Para que haja fanatismo (político, religioso ou de qualquer outra natureza), é preciso que exista O OPONENTE. E o Outro, aquele que difere de nós, acaba encarnando ou recebendo a projeção deste papel.
Por outro lado, o Naipe de Copas fala da FÉ. Para que haja fé, é preciso haver espaço para a DÚVIDA; percebam a diferença: FÉ e FANATISMO têm fundamentos completamente diversos! A fé se nutre na disponibilidade para o MISTÉRIO. Não estou falando de uma dúvida paralisante — não no Dois de Copas. Esta carta apresenta uma curiosidade genuína em se abrir para aquele que difere de nós, e isto requer abandono do CONTROLE. Aqui, o Outro encarna ou recebe a projeção daquele que me agrega, me atrai, me beneficia, me complementa.
Eis a diferença entre desconfiar e se reter X confiar e se abrir.
E, só para finalizar com um clássico da minha adolescência: paz sem voz não é paz, é medo. A letra inteira dessa música, aliás, é uma ótima demonstração de um Dois de Espadas:
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Na próxima news, voltaremos a um Arcano Maior; o Arcano do conhecimento profundo guardado a sete chaves.
Algum pitaco? Segredo secretíssimo.
Um abraço!
lari.
Adorei a forma como você relacionou, no texto, FÉ e DÚVIDA. Olhar a fé a partir desse lugar de abertura para o mistério e não como uma crença cega, além de bonito, é algo que pode servir como uma espécie de antídoto contra o fanatismo.
Bom dia, Lari! Acabei de abrir o Gmail, que excelente leitura para começar o dia. Eu sempre tive muitas dificuldades em desenvolver o 2 de espadas. Adorei a percepção através da música, nunca tinha parado para analisar a letra e fez uma enorme diferença para a leitura. Que Deus abençoe seu trabalho e te dê forças para concluir esse baralho. 🕉️☕️🙏