Nesta newsletter darei continuidade ao detalhamento do processo criativo do meu baralho de Tarot. Estamos na segunda carta, e lá vem ela: regida pelo elemento Ar, cheia das ideias, dos rigores e da análise crítica. Com licença, Ás de Paus, mas cheguei para cortar.
Expliquei na newsletter passada o critério que usei para definir a ordem das cartas a serem ilustradas. Estou seguindo de forma meio intuitiva, meio planejada: quis começar pelas cartas que considero ferramentas principais: os elementos que compõem o starter pack do Mago, nosso iniciador de coisas do Tarot.
Eu não quis começar pelo Mago. Primeiro, porque não queria começar por um Arcano Maior. Senti que eu precisava pisar nesse chão devagarinho, começando pelas cartas mais terrenas, tendo tempo suficiente para me familiarizar com esta criação. Ao testar primeiro o layout, as paletas de cor e a disposição dos elementos em alguns dos Arcanos Menores, acredito que chegarei na criação dos Arcanos Maiores já azeitada, enraizada, esperta, com a barriga forrada de arroz e feijão :) (meu ascendente em Touro gritando neste parágrafo inteiro).
Segundo, para haver um Mago é preciso que existam as quatro ferramentas mundanas principais: os Ases do Tarot, costumeiramente representados como ferramentas mágicas dispostas sobre a mesa de trabalho de quem irá manipulá-las.
Cada ferramenta tem sua função, seu poder intrínseco – e suas falhas também. Nenhuma das quatro ferramentas terá desempenho de excelência em TODOS os setores da existência. É preciso olhar para a força dos Ases como potências especializadas, por assim dizer.
Ás de Espadas
Depois do Ás de Paus, passei para a criação do Ás de Espadas como forma de estabelecer limites para o projeto: preciso definir prioridades, me organizar e excluir tudo o que for desnecessário para o processo. Senão, não anda. Simbolicamente, o Ás de Espadas vem para somar planejamento ao Ás de Paus – e subtrair seus possíveis excessos.
Assim como uma semente contém a possibilidade da árvore dentro de si, os Ases do tarot contêm toda a potência do elemento que representam. O Ás de Espadas é a semente do elemento ar.
Chega de rodeios. O que é preciso fazer, que se faça. Doa a quem doer. Afinal, falamos de espadas: a única arma forjada como tal dos quatro naipes do tarot.
Como lâmina, sua ação é precisa, direto ao ponto. Mesmo que o ponto em questão seja a sua maior ferida, isto não importa; Um naipe armado não oferece compaixão.
A espada que atravessa o Ar é verbo; é fala clara e assertiva. Quando falo, exponho ideias e defino limites. E é da Espada a separação do joio e do trigo. Uma Espada não une, dado que é LÂMINA – ela corta e separa.
Certezas inabaláveis. Discurso lógico, dados comprovados. Defesa da (MINHA) verdade. E é aí que mora um dos muitos perigos: quantas verdades coexistentes são possíveis? O Ás de Espadas só aceita uma: a dele. É preto no branco.
É do elemento Ar o mundo das ideias, do intelecto. Como todo atributo, deve-se ter cuidado com os excessos: a enxaqueca denuncia o pensar descontrolado. A racionalização em demasia pode cultivar paranóias, ansiedades, insônias. Afinal, como dormir tranquilo levando consigo uma espada para a cama?
Quem carrega uma lâmina na mão está disposto a atacar, mas não só; há momentos em que a vida exige posicionamentos. Quando a ameaça vem para cima de você, o Ás de Espadas é imperativo: defenda-se!
O poder institucionalizado se encontra neste naipe. Ele é a lei e a ordem, o que é certo ou errado, os julgamentos, as punições. Mas, como já sabemos, a verdade multifacetada não cabe aqui: a verdade absoluta e incontestável pode ser apenas a meia verdade de quem detém a espada.
Inteligentíssimo, o Ar destas lâminas afiadas é o mais estrategista dos quatro elementos do tarot, funcionando como um exército: ele é capaz de idealizar, planejar, fazer as articulações necessárias e executar seu ideal.
Mapas, planilhas, cronogramas, unidades métricas, códigos, números, dicionários: tudo o que foi criado pelo intelecto para organizar, delimitar, classificar, é do elemento Ar.
Pela sua assertividade capaz de definir regras, estabelecer prazos e eliminar distrações, chamo o Ás de Espadas como segunda ferramenta para ilustrar meu baralho de Tarot.
Não basta ser pássaro
Para encarnar a potência de Espadas, é preciso ser ave de rapina.
Visão aguçada, garras fortes, bico encurvado: características que permitem localizar o alvo, retê-lo e perfurá-lo. Os atributos das aves de rapina traduzem com clareza o simbolismo de Espadas. São animais que dominam os ares, elemento regido pelo naipe. De cima, conseguem apreender o cenário com maior clareza do que os demais. Quando partem para a ação, a rota já foi traçada e calculada, e o movimento costuma ser tão veloz que, não raro, nos pega desprevenidos.
Pesquisei por espécies nativas do Brasil que pudessem inspirar tanto respeito e temor. O carcará foi a primeira ave que me veio à cabeça, mas ainda não era exatamente o que eu precisava. Sua resiliência em sobreviver a condições adversas e capacidade de se alimentar de tudo o que encontra não tem muito a ver com o simbolismo que encontramos em espadas. Neste ponto, precisamos voltar em um dos conceitos do naipe de Paus e saber diferenciar CORAGEM do PODER – este último, um atributo de Espadas.
Precisamos ter coragem para enfrentar um oponente que julgamos ter igual ou maior poder do que nós, pois, neste cenário, a possibilidade de derrota é bastante factível. Quando se é o único naipe armado do tarot, que representa o domínio através das leis, do conhecimento, do aparato governamental ou de poderes paralelos (como crime organizado, que também tem suas leis!) não é preciso coragem para exercer sua força. Você já está equipado, armado até os dentes. Não raro o naipe de Espadas representa vitórias inglórias, massacres, crueldades, desonras. Dê poder a um homem e verás quem ele é, disse aquele chato do Maquiavel, pensador muito bem representado pelo naipe em questão.
A ave que eu queria precisava ser dotada de algum poder que não viesse através de uma superação de dificuldades e sofrimentos, como eu interpreto o carcará. Incorporando a autoridade vigente, ela precisava ser munida de uma força herdada pelas circunstâncias; ser mais temida, mais bélica, e mais fixa nesta posição. Algo como um tanque de guerra. Foi desta forma que cheguei na Harpia harpyja, ou Gavião-real, espécie originária das florestas tropicais das Américas Central e do Sul, e uma das maiores aves de rapina do mundo. O Gavião-real provavelmente leva este nome por conta dos penachos na cabeça que, eventualmente, ficam eriçados e formam uma espécie de coroa.
Coroa: símbolo do poder das monarquias. Um poder geralmente herdado, cujo representante não é eleito pelo povo e se mantém no trono até o fim de sua vida – porque a estrutura vigente assim ordena, sem perguntar pela sua opinião. Tudo a ver com o poder intransigente de Espadas. Simples assim. Pá.
Além de ser uma ave naturalmente coroada, tudo na aparência do Gavião-real remete ao naipe das lâminas: seu tamanho imponente, sua cara de braba, sua paleta de cor sóbria, suas garras imensas. Eu teria medo de encontrá-la sobrevoando por cima de mim.
Por último, uma curiosidade: pesquisando por imagens da espécie, encontrei um movimento brasileiro pró-monarquia que usa o Gavião-real como símbolo. Tem até uns memes toscos enaltecendo a ave em detrimento da águia norte-americana, cheios de piadas nacionalistas-ufanistas-monarquistas y outras loucuras. Um movimento pela volta da monarquia em pleno século XXI. Nacionalismo ufanista, desprezo pela democracia eleitoral e defesa de uma hierarquia que vem de berço… lhe parece fascista? Pois sim: eis a face sombria do naipe de Espadas.
Recado pá-pum, ou: O POVO PEDIU E EU FIZ
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A próxima carta a ser ilustrada será, talvez, seu oposto radical. Palpites?
Um abraço,
lari.
Muito bom poder acompanhar seu processo criativo e aprender sobre tantas coisas que atravessam e que se conectam a essa construção.
Super interessante acompanhar seu processo e aprender tanto sobre tarô e outros simbolismos