Oi, gente! Esta newsletter é sobre um Arcano não exatamente amado, que pode causar antipatia e dividir opiniões. Como toda e qualquer carta do tarot, o Arcano de número IV tem suas utilidades e seus desafios. Eu, particularmente, prefiro analisar esta carta com cuidado sempre que ela me aparece em leituras. Nem sempre é sobre um déspota — mas, às vezes, é sim. kkkry.
O Imperador
Quem é que fica sentado no trono, pesado, armado e coroado, segurando o mundo nas mãos e com cara de poucas ideias?
O mundo, para ele, é QUADRADO. Arestas pontudas e faces precisas: um sólido rígido que cabe na palma de sua mão.
O grande Rei do Tarot não precisou lutar para chegar ao trono; ele é a autoridade que já nasceu para mandar. Poderes herdados: pelo sobrenome, pelo patriarcado, pela tradição. O sistema estabelecido o ampara. Democracia, assembléia, pesquisa de opinião? Para ele, tudo bobagens. Pouco lhe importa se é bem quisto ou não.
Ele é o rigor da autoridade imposta. O conjunto de regras determinadas — e não necessariamente justas — que serão cobradas aos demais. Ele manda, e não necessariamente executa. Ele é a voz onipresente do Estado.
O Imperador SUSTENTA. É o pilar rígido de uma estrutura complexa que demanda força e determinação. Persevera na aridez, tal qual o cabrito fincado no alto da pedreira com seus cascos duros. Não balança, nem cai — ELE FICA, mesmo que na dureza de um trono de pedra. Não perde tempo com miudezas e dispensa firulas. Tende a ser monossilábico nas suas respostas. Também não é de puxar assunto — quer falar com ele? Vá até à montanha; ela não moverá um palmo de onde está.
Bronco? Pode ser. Sua profunda crença em deter uma autoridade incontestável não o deixa propenso a flexibilidades. No melhor dos casos, é uma pessoa firme em seus propósitos; no pior, é um verdadeiro tirano.
A ORDEM, seja ela física ou simbólica, é determinada pelo Imperador. Uma existência sem contornos definidos seria uma sopa de caos: não haveriam separações, delimitações, classificações. O grande Rei, senhor da ESTRUTURA, ordena: isto é separado daquilo, e cada coisa em seu lugar. A ORGANIZAÇÃO de um Reino é defendida pela mão severa de um Imperador. Que, claro, delegará a outros Arcanos a execução do projeto.
Excelente para impor limites, a carta do Imperador pode ser uma grande aliada aos que têm dificuldade em dizer NÃO e aos que temem exercer sua autoridade. Com ele, não tem papo: sua palavra é o ponto final.
A solidez do Cubo
Quadrado do quadrado, ele tem, na ordem dos volumes, a mesma significação que o quadrado na ordem das superfícies. Simboliza o mundo material e o conjunto dos quatro elementos. Pelo seu equilíbrio, foi tomado como símbolo da estabilidade. É encontrado, frequentemente, na base dos tronos.1
O Cubo sintetiza algumas das principais características do Arcano IV — e não é à toa que escolhi representar o planeta Terra no formato de um cubo, firmemente repousado na palma da mão do Imperador. Ele é um dos cinco sólidos de Platão, e é associado ao elemento Terra.
A Terra é um dos quatro elementos clássicos da filosofia da Grécia Antiga. Simbolicamente, o elemento é associado às qualidades de peso, matéria e solidez.
Empédocles (c. 495 – c. 435 a.C.) propôs quatro arquétipos para compreender o cosmos: fogo, ar, água e terra. Posteriormente, Platão (c. 427 – c. 347 a.C.) relacionou os elementos a formas geométricas (os sólidos platônicos), escrevendo sobre eles no diálogo Timeu, c. 360 a.C.

A terra foi associada ao cubo, o ar ao octaedro, a água ao icosaedro e o fogo ao tetraedro. Sobre o quinto sólido platônico, o dodecaedro, Platão mencionou que “(...) deus o usou para organizar as constelações em todo o céu”. Desta forma, estes cinco sólidos formariam a essência de toda a matéria: terra, ar, água, fogo e… um quinto elemento, que representaria o formato do Universo como um todo.
Como um dos sólidos platônicos, o Cubo representa estabilidade, segurança e manifestação concreta; ele é o poliedro que simboliza a solidez do universo material; o que há de mais fixo, o que apresenta maior tenacidade e resistência; aquilo que pesa, que firma, que não sai do lugar.
O Cubo do Imperador é uma espécie de cofre de segurança máxima, porta chumbada, armadura blindada. É metal pesado, duro, resistente à prova de balas. É impermeável, rígido, não altera o formato. É muralha de aço, intransponível e inoxidável.
(Estas são características ótimas para quem está protegido por ele; por outro lado, péssimas para quem precisa negociar com ele. Tudo é questão de perspectiva.)
Isto aqui não é uma Democracia
O Imperador do tarot é um Autocrata. Como governante, ele exerce poder absoluto e ilimitado, sem restrições legais ou institucionais. Se não existem leis que corroborem com seus desejos, o Imperador as cria; se não há adesão popular, ele exige o cumprimento das regras na base da força bruta. Simples assim.
Sendo um Autocrata, o Imperador toma decisões sem nenhuma necessidade de consultar opiniões ou obter aprovação de outros órgãos ou pessoas. Ele não se preocupa em ser diplomático e manter boas relações. Fazer média não é do terreno dele. Quando ele quer algo, ele decreta e ordena. E quem não obedecer, será penalizado.
O Imperador é o Patriarca mais antiquado, mais institucionalizado, mais batido que conhecemos. Quantas figuras de poder autoritárias e completamente arbitrárias já vimos na história da humanidade? Nem precisa ter herdado um trono; vemos, inclusive, muitos Imperadores eleitos em sistemas democráticos — um tremendo paradoxo, visto que a democracia é o oposto de um sistema autocrático, exigindo eleições e representação popular para o pleno exercício do poder.
Neste aspecto, fica fácil entender porque tantas pessoas têm bode desta carta. Se o Arcano vier representando uma figura de autoridade — seja um pai, um chefe, um líder comunitário ou um governante — temos um indivíduo (independente do gênero!) que exerce poder de forma unilateral e cuja expectativa é ser obedecido sem questionamentos: pela sua família, pelos seus funcionários, pelo seu povo.
O desejo do Imperador se torna LEI; não importa o quão absurda seja. Pesquisando sobre autoritarismos arbitrários históricos para escrever esta newsletter, me deparei com a seguinte imagem:
Em 1698, o Czar Pedro I, o Grande, instituiu uma lei sobre cortes de barbas. Como um esforço em aproximar os costumes da Rússia aos da Europa ocidental da época, o Czar considerou justo ordenar mudanças na toilette dos homens de seu território. Quem quisesse usar barba longa, que pagasse um imposto correspondente; caso contrário, teria sua barba cortada à força pela polícia (!). Quanto mais nobre fosse o dono da barba, maior o valor do imposto pago, é claro.
Eu poderia parar por aqui e simplificar a leitura desta carta para um chefe tirânico e insuportável, mas não; vou botar mais tempero neste caldo.
E se nós estivermos lidando com pessoas difíceis, invasivas, que desrespeitam nossos limites? Por defender seu Império, a carta do Imperador pode indicar a fortaleza necessária para suportarmos investidas externas prejudiciais. Técnicas de defesa militar como medida estratégica para a vida? Talvez. Tomar emprestada sua armadura pode ser útil para não se deixar dobrar em situações que exigem firmeza. O Imperador, quando cai numa posição de conselho, nos indica a sustentar nosso posicionamento e não abrir mão do nosso terreno — não importa o quão forte seja a força opositora.
Por isso, adotar um pouco da rigidez do Imperador será benéfico para corações muito moles, que se deixam invadir, ocupar e maltratar.
Casco duro, Casca grossa
Na ilustração da minha carta eu incluí, aos pés do Imperador, um carneiro; o animal é frequentemente associado ao Arcano IV em diversos baralhos de tarot. Alguns tarólogos associam a carta ao signo de Áries que, por sua vez, também é representado pelo mesmo animal.
O carneiro simboliza força, liderança e autoridade, mas não só; o carneiro é um bicho duro, física e metaforicamente falando.
O animal tem chifres robustos que servem de arma para disputar as fêmeas do grupo, e cascos duros para subir montanhas íngremes de pedra. No fundo da carta, desenhei um paredão de montanhas imponentes, quase pontiagudas. Elas são o retrato do ambiente inóspito que o carneiro (e o Imperador!) está habituado a enfrentar. É preciso muita teimosia tenacidade para se manter estável, inabalável, inflexível, estando submetido a um terreno tão hostil. Temos aí uma certa qualidade: ô bicho que não desiste.

O carneiro sobrevive a ambientes extremos, escalando montanhas íngremes com foco e agilidade; o Imperador, por sua vez, aplica este mesmo controle — sobre si e sobre o terreno que o cerca — para manter estruturas estáveis contra enormes adversidades.
O carneiro não teme o paredão de pedra, assim como o Imperador não teme a guerra.
Mais uma guerra sem razão
E já são tantas as crianças com arma na mão
Mas explicam novamente que a guerra gera empregos
E aumenta a produçãoUma guerra sempre avança a tecnologia
Mesmo sendo guerra santa, quente, morna ou fria
Pra que exportar comida
Se as armas dão mais lucros na exportação?Existe alguém que está contando com você
Pra lutar em seu lugar
Já que nessa guerra
Não é ele quem vai morrerE quando longe de casa, ferido e com frio
O inimigo você espera
Ele estará com outros velhos
Inventando novos jogos de guerra
O Imperador institucionaliza guerras, mas não é ele quem vai para o front.
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Na próxima newsletter, prometo trazer a democracia de volta.
Um abraço!
lari.
Chevalier, Jean (2022). “Dicionário de Símbolos”, pág. 374.
Amei a sacada do planeta representado como um cubo na mão do Imperador!
Esse imperador ficou a cara do homi que mora aqui em casa...kkkkk