Pessoal, essa newsletter ficou um tanto longa e talvez o texto apareça cortado neste e-mail. Para conseguir ler na íntegra, clique no título acima e leia no seu browser ou no app do Substack ♥
Ela não anda. Ela desfila. Tudo que lhe diz respeito é fértil e brota; de dentro dela, a cornucópia de coisas lindas se revela.
Coloquem uma roupa bonita, penteiem os cabelos e dêem seu melhor sorriso porque a rainha do baile chegou.
Se você se apaixonar, atenção: provavelmente não é o único. Melhor pegar a senha e se dirigir ao final da fila.
Estão preparados?
A Imperatriz
Maná da terra, nutridora que azeita o mundo e inspira nossa caminhada. Criativa e competente, gera muitas riquezas. Embeleza projetos, multiplica os frutos, cultiva admiradores.
Aqui não tem miséria, não!
Mãe Natureza, mulher sagrada. Dona de finos encantos e grandes poderes. Divinas carnes que derramam sobre a terra o leite nutritivo. Água cristalina, sumo de fruta madura, fluidos do amor vivido com gosto. Umidade natural. De suas terras regadas, brotam flores e frutos: generoso ventre que alimenta e conforta.
Em suas mãos, amor é fortaleza: proteção, cuidado e zelo. Tudo é melhorado, refinado, embelezado. Mãos de fada que tecem riquezas com qualidade e esmero. Aquilo que a Imperatriz toca, floresce: ela mesma, seu trabalho, sua casa… seus filhos. Seu corpo é potência criadora e criativa. É casa, é cornucópia, é uma festa.
Há apreço pela qualidade e pelo conforto. Os materiais, objetos e serviços oferecidos são o que há de melhor. O almoço vira banquete: Três estrelas no Guia Michelin.
Amante generosa, porta o escudo de Vênus que alerta: não há amor saudável sem auto-respeito. Ela está protegida e é dona de seu reino; sabe o que quer e faz por merecer; tem talentos e organização de sobra para geri-los; é carismática e possui grande habilidade social.
Difícil passar batida, aliás: sua presença é magnética. Naturalmente cativa amigos, seguidores, contatinhos, fãs, apaixonados. A Imperatriz adora esta atenção, e se não tiver cuidado, pode pender para o outro lado: querê-la demais pode fazê-la cometer despropósitos; é quando a fartura vira exagero e afetação.
Aqui, alimento jamais será ração — nem as calorias serão contadas. As carnes são voluptuosas e a comida é MANJAR. Tudo muito nutritivo, aromático, curvilíneo e acolhedor. Lençóis limpos sobre a cama confortável. Cabelos hidratados, pele macia e unhas bem cuidadas. Flores frescas sobre a mesa de jantar. Banho de banheira com vista pro jardim. Casa de Rainha, colo de Mainha. Tê-la do meu lado é um alento: sei que em seu regaço eu posso descansar.
Mãe Natureza: ambiente propício para a vida
A Imperatriz se relaciona intimamente com o poder criador da natureza: a terra fecundada e cultivada gera tudo o que é necessário para a vida se desenvolver em plenitude. Geralmente nem percebemos o milagre que é a existência de um planeta como o nosso: a distância da Terra com relação ao Sol, sua temperatura média, a existência de água, sua atmosfera e seus ciclos naturais são fundamentais para estabelecer condições propícias para a vida. Tomamos tais características como algo muito natural, sem nos darmos conta de que a mera existência de um planeta como o nosso é uma exceção. As crias da Imperatriz são, por assim dizer, abençoadas pela mãe generosa que têm; e as crias, meu bem, somos nós.
Se estamos dando o devido valor à Terra-Mãe, são outros quinhentos.
A Imperatriz é a atmosfera propiciadora da vida material e simbólica: Pachamama, Gaia, Útero, Agricultura, terra úmida e fertilizada. Basta semear.
Sua generosidade natural revela afeição à vida. É um afeto positivo, que alimenta, faz crescer e ficar fortinho. O amor expresso no Arcano de número 3 é, portanto, NUTRITIVO: colo, comida gostosa, leite materno. A abundância de recursos não é retida, é distribuída: ela é a base para a formação de novos indivíduos, de outras vivências. A Imperatriz multiplica.
Na minha leitura, a presença de água é importante na representação do Arcano: a paisagem da Imperatriz é úmida, mas não lamacenta nem turbulenta; se trata de uma água tranquila, potável, cristalina e fresca. Uma água agradável e segura. Por isso, escolhi manter a referência clássica do desenho de Pamela Colman Smith (abaixo) com a presença da queda d’água no fundo da paisagem.

Deixo aqui essa música interpretada pela Maria Bethânia que é um suco de Imperatriz-Natureza-Terra-Banhada-por-Águas:
Por entre avenca, feto e taquara poca
No seio-limo da mata ciliar
Corre arregalada a matéria-prima essencial
O vero olho da terra é o cristal d'águaE não há no reino mineral
Nenhum poder de pedra que estanque
O jorro das gotinhas
Rasgando as entranhas da terra
Sedentas por ver o sol
Secas por vê-lo
A Imperatriz é uma das cartas mais amadas do Tarot, e eu entendo. Como não gostar do Arcano que representa a própria possibilidade de vida?
Toda Imperatriz é Mãe?
Apesar de ser o Arcano da grande matriarca, a Imperatriz do século XXI não necessariamente materializa seu poder criativo apenas parindo bebês. Os campos de manifestação deste poder são múltiplos e variam de acordo com o período histórico, cultural e social onde esta mulher está inserida. Aliás, não precisa ser mulher para encarnar as características da Imperatriz. Gênero, aqui, é atributo simbólico e deve ser lido contemporizando caso a caso.
Dito isto, é preciso contextualizar a origem histórica do símbolo da carta.
Nas origens medievais do Tarot, a Imperatriz representava a autoridade máxima feminina pertencente a uma família de linhagem nobre: ela era, basicamente, a esposa do Imperador.
De acordo com Isabelle Naldony,
(…) poderíamos dizer que [ a Imperatriz ] é representada de maneira bastante padronizada: uma mulher jovem, ricamente vestida, e ornada com os atributos de seu marido (…). Com essa carta tão carente de sentido histórico, o que por si só já é revelador, poderíamos evocar a condição da mulher nas épocas medieval e moderna: uma mulher só tem valor em relação à família da qual provém e por aquilo que leva à família à qual se une. Um homem se casa com uma mulher pela vantagem de aliar-se à sua família, por seu dote e pelos potenciais herdeiros que ela poderá lhe dar. 1
O casamento era uma instituição que visava garantir a sustentação de poder daquela família através da geração de descendentes biológicos, os herdeiros da linhagem. Dentro deste contexto, enquanto o Imperador controlava os domínios do Império exercendo sua autoridade nos espaços públicos, “a vida de uma Imperatriz consistia em duas coisas: dar à luz e ser vista.” 2

Esposa e mãe, rainha do lar. Esta era a aspiração máxima que uma mulher de alta classe poderia almejar na estrutura patriarcal europeia. Portanto, em meados do século XV, período-gênese dos que viriam a ser os baralhos de Tarot de hoje, a carta da Imperatriz representava o que era considerado o auge do poder feminino: mulher fértil, branca, detentora de posses, criadora de filhos, esposa do patrão.
Mas o auge muda. Graças a Deus às feministas.
Ao fazer uma leitura do que o Arcano simboliza HOJE, é urgente atualizar a potência de seus atributos: o quê pode criar uma mulher, além de filhos? O quê pode gerir, além de um lar? E sua imagem de PODER ainda precisa estar atrelada a um MARIDO?
Uma Imperatriz do século XXI é independente, criativa, gestora de si mesma. É amorosa, mas esse amor pode ser manifesto de diversas formas e em diferentes acordos. Pode casar, se quiser. Pode viver soltinha na pista, também. Pode ter filhos, pode ter gatos. Pode ter muitos amigos. Pode ter diversos arranjos. Pode ter um cargo público ou ser profissional autônoma. Independente do formato que for, sua atuação será feita com qualidade, com amorosidade, com cuidado e com excelência.
Divas: imperatrizes da vida real
Pense nas divas icônicas que:
desenvolveram uma autoimagem pública de valor;
são líderes empáticas, capazes de gerir a si mesmas e aos outros;
têm uma carreira consolidada que atravessou anos de atuação;
têm um estilo muito próprio;
conquistaram fãs.
O quê elas têm em comum? Poder, carisma, talento. A força criativa das Imperatrizes é direcionada para um projeto, que é implementado, executado, divulgado publicamente… e renovado de acordo com os ciclos. A criatividade não é desperdiçada; ela é investida em algo concreto e que gera riquezas — materiais e imateriais. Além disso, as Imperatrizes vão levar o tempo que for para construir seus Impérios. Cada projeto tem seu próprio ritmo de gestação (e de gestações a Imperatriz entende muito bem).
Não estou falando aqui de celebridades efêmeras que duram poucos anos de sucesso. Estou falando de divas, que atravessam décadas e gerações. As Imperatrizes da vida real se tornam ícones da cultura popular, e servem de inspiração para muitas pessoas.
A inspiração da Imperatriz é construtiva: ela estimula o fortalecimento da autoestima, abre espaço para o lúdico, para a fruição, para a expressão livre do corpo. Ela dá voz às necessidades e sentimentos, e muitas vezes isso toma uma expressão literal: várias das imperatrizes são encarnadas por cantoras e apresentadoras. Mulheres que, ao se expressarem, emprestam a própria voz à tantas outras que não têm a mesma visibilidade.
Abaixo, Cher encarna a Imperatriz todinha, de cima a baixo e ao redor de si, nesta declaração inesquecivelmente maravilhosa:
Tradução minha:
Entrevistadora: Você disse que homem não é uma necessidade, é um luxo.
Cher: Como uma sobremesa, sim… um homem realmente não é necessário.
Entrevistadora: Você fala isso de forma maldosa e amargurada?
Cher: Ah, não mesmo! Eu adoro sobremesas! Eu amo homens… eu acho eles um barato. Mas você não precisa deles para viver. Minha mãe me disse uma vez: “querida, um dia você vai precisar sossegar o facho e casar com um homem rico.” E eu disse: “Mãe, EU SOU O HOMEM RICO.”
Amor não é bagunça
Nas representações clássicas do Tarot, a Imperatriz é comumente ilustrada portando um escudo:
Como Matriarca Soberana, ela detém, junto do Imperador (Arcano de nº 4) o domínio do Império. Não é pouca coisa: autoridades deste porte demandam proteção. E a presença do escudo demonstra que eles estão bem paramentados neste quesito.
A forma que uma Imperatriz exerce sua autoridade e se protege de possíveis influências maléficas é bem diferente da do Imperador. Como pessoa empática, amorosa e nutridora, a rainha do baralho tem uma noção profunda de que sua proteção vem de dentro.
Estou falando sobre amor-próprio: valorização de si mesma em primeiro lugar.
Dá o play, vai. Deixa a Rainha do Tarot te ensinar:
The greatest love of all
Is easy to achieve
Learning to love yourself
It is the greatest love of all.I decided long ago
Never to walk in anyone's shadows
If I fail, if I succeed
At least I'll live as I believe
No matter what they take from me
They can't take away my dignity.

Portando o escudo de Vênus, a Imperatriz sabe de seu valor e não aceitará qualquer merda migalha, seja de amantes, amigos ou parceiros de trabalho. Ela é generosa e distribui sua abundância de bom grado, mas não é tola. Ela não é negligente nem consigo mesma, nem com os que ela ama e protege. Como figura de autoridade que cultiva sua autoestima, ela defende seu espaço, sua imagem, seu trabalho, seus subordinados, SUAS CRIAS. Aqui, amor não é bagunça. Se abusar de sua boa vontade, um beijo e tchau: a fila anda. O que não faltam são oportunidades. Próximo!

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Até a próxima news!
Um abraço,
lari.
Nadolny, Isabelle (2022). “História do Tarô”, pág. 210.
Ibidem, p. 210.
Amei amei amei essa edição ♥️
Tá ficando lindo demais! Uma carta mais foda que a outra, um texto mais foda que o outro. Como você se sente sendo tão boa nas duas coisas? 😂